Catedral de Winchester: Jane Austen, uma superstição inglesa e um capacete de mergulho

A última atração do nosso passeio de 1 dia em Winchester é a imponente catedral da cidade, uma das maiores da Inglaterra e a catedral gótica mais longa da Europa.

A história da Catedral de Winchester tem suas origens no século VI, quando o papa Gregório I enviou um grupo de monges beneditinos com a missão de converter a Inglaterra ao cristianismo. O então rei de Wessex, Cynegils, foi batizado em 635 e alguns anos depois seu filho ordenou a construção da primeira igreja cristã ali no coração do reino, Winchester.

Essa igreja logo depois foi promovida à catedral, de onde o bispo governava uma diocese gigante que abarcava desde as ilhas do Canal da Mancha até o rio Tâmisa em Londres. A catedral era a igreja mais importante da Inglaterra anglo-saxã e lá foram enterrados alguns reis ilustres como Alfred O Grande e Cnut/Canuto O Grande, e também foi lá onde alguns séculos depois começou a tradição dos corais ingleses que continua forte até os dias de hoje.

Catedral de WinchesterCatedral de WinchesterCatedral de Winchester

No século X a catedral foi ampliada e recebeu um novo santo padroeiro: os ossos de São Swithun (bispo de Winchester, conselheiro real e, conforme reza a lenda, mentor de Alfred O Grande) foram colocados num relicário dentro da igreja. Nosso guia contou que o tal relicário virou ponto de peregrinação e disse até qual milagre é atribuído a São Swithun – consertar os ovos quebrados de uma senhorinha (!!!) ahaha não deu pra segurar a risada quando ele disse isso, com tanto milagre importante pra fazer como por exemplo parar as guerras daquela época o Swithun vai remendar ovos?! xD

Como se não bastasse os ovos ainda tem outro “mistério” envolvendo o nome do santo. Relatos da época contam que ele fazia questão de ser enterrado no terreno da catedral, perto do povo, e não dentro dela. Daí que quando resolveram mover os ossos pra dentro da igreja no dia do santo, em 15 de julho de 971, começou uma tempestade gigantesca que durou 40 dias e todo mundo acreditou que era Swithun castigando Winchester… Esse episódio deu origem a um mito/profecia que até hoje ainda tem quem acredite: se chover no dia 15 de julho, vai chover por 40 dias e 40 noites!

Catedral de Winchester

Mas a história da antiga catedral meio que acaba por aí… Em 1066 Guilherme I, Duque da Normandia, invadiu o país, matou o rei na batalha de Hastings e alguns meses depois foi coroado rei da Inglaterra. Guilherme nomeou um novo bispo de sua confiança, que por sua vez mandou demolir a catedral e construir um novo prédio no estilo românico normando – foi nessa época que a Bíblia de Winchester foi escrita (falo mais sobre ela depois!).

Os séculos foram passando e a catedral aos poucos foi sendo remodelada: cada novo bispo queria deixar sua marca, então ela ganhou arcos góticos gigantescos no século XIV, capelas laterais super ornamentadas no século XVI etc. Até 1534, quando o rei Henrique VIII rompeu com Roma e confiscou todas as propriedades da igreja católica na Inglaterra.

Catedral de WinchesterCatedral de WinchesterCatedral de WinchesterCatedral de WinchesterO painel de pedra do século XV é um dos monumentos mais importantes da época

Era o fim do mosteiro, o relicário de São Swithun foi saqueado, o claustro demolido… O catolicismo deu seu último suspiro no país alguns anos depois, quando a filha de Henrique VIII e católica fervorosa Maria I assumiu o trono, casando em 1554 com Filipe II na catedral de Winchester.

Desde então a catedral se manteve relativamente inalterada, passando apenas por restauros no século XIX, recebendo um órgão histórico (ele é a versão reduzida do órgão apresentado na Grande Exposição de 1851 em Londres) e recebendo uma nova moradora ilustre.

Catedral de Winchester - Jane Austen

Nascida e criada no condado de Hampshire, Jane Austen se mudou para Winchester em 1817, quando já estava muito doente, com o intuito de ficar perto de um médico famoso e do recém-inaugurado hospital da cidade. Mas dois meses depois, aos 41 anos, Jane morreu e foi enterrada numa pequena cerimônia na catedral – nessa época ela ainda não era conhecida por seus romances, então a lápide destaca apenas suas qualidades e nem menciona os clássicos escritos por ela…

O “erro” só foi consertado em 1870, quando o sobrinho de Jane Austen publicou sua biografia e usou o dinheiro arrecadado para erguer uma placa de bronze destacando seu trabalho como escritora. Nem preciso dizer que hoje em dia a peregrinação pra ver o relicário de São Swithun virou peregrinação pra ver o túmulo de Jane Austen né?!

Catedral de Winchester

Mas como dá pra ver pela overdose de fotos, tem tanta coisa linda, tantas capelas, vitrais, esculturas, e outros detalhes incríveis pra ver na catedral, que é uma parada obrigatória até pra quem não é religioso e nunca leu Jane Austen. Não gosto de dizer que alguma coisa é “atração obrigatória” e você tem que ver se estiver na cidade senão perdeu a viagem, mas nesse caso não tem como!

O ingresso custa £7.95 e a entrada valeria a pena nem que fosse o dobro do preço (por causa do projeto #OffToWinchester nós entramos de graça, mas eu já tinha pago para visitar a catedral ano passado e com certeza voltaria mais vezes). A catedral fica aberta das 9:30 às 17h (seg-sáb) e 12:30 às 15h no domingo, o ingresso é válido para visitas ilimitadas no período de um ano e por £6 a mais você pode subir na torre.

Catedral de WinchesterCatedral de WinchesterCatedral de WinchesterCatedral de Winchester

Para mais fotos e curiosidades, incluindo o motivo desse antigo capacete de mergulho estar dentro da catedral, clique abaixo!

Catedral de Winchester

Outro grande atrativo da catedral é a Bíblia de Winchester, a maior e mais conservada bíblia inglesa do século XII. Um único escriba foi responsável por compilar o texto em latim, enquanto outro artistas ilustraram o livro e ornamentaram as letras usando ouro e pigmento de lápis-lazúli.

Catedral de Winchester

Na época várias bíblias similares foram produzidas na Inglaterra, mas nenhuma se compara à beleza e nível de detalhes da Winchester Bible. Acredita-se que o livro tenha sido encomendado por Henrique de Blois, neto de Guilherme I e bispo de Winchester, e foi escrito em 468 pergaminhos de pele de bezerro dobrados ao meio e costurados.

As 48 letras ilustradas marcam o começo de cada novo livro da bíblia e o manuscrito não foi finalizado, o que deixa tudo ainda mais interessante pois dá pra ver as diferentes fases de um projeto tão complexo…

Créditos: John Crook/Winchester Cathedral

Créditos: John Crook/Winchester Cathedral

Dos quatro volumes apenas um pode ser visto na área especialmente dedicada a abrigar a Bíblia de Winchester, no lado esquerdo da catedral. Só fique de olho na hora porque essa parte da igreja fecha mais cedo, às 16h (nos informaram que era por falta de voluntários, já que o espaço precisa ser monitorado constantemente).

E o capacete de mergulho, Thaís?

Catedral de Winchester

No começo do século XX começaram a aparecer umas rachaduras enormes nas paredes e teto da catedral. As fundações ainda eram do período medieval e blocos de pedra já estavam caindo do teto quando chamaram um arquiteto para inspecionar o prédio. Junto com um engenheiro ele planejou escavar várias valas estreitas embaixo das paredes e enchê-las com sacos de concreto, mas como a catedral foi construída no vale do rio, onde o lençol freático está bem perto da superfície, sempre que começavam a cavar tudo ficava alagado.

Quando nem as bombas estavam dando conta de conter a água o engenheiro teve a ideia de chamar um mergulhador para fazer o trabalho, já que não tinha como se livrar da água esse era o único jeito de garantir que a catedral de Winchester teria um futuro… Aí entra William Walker, um mergulhador profissional que até então trabalhava no estaleiro de Portsmouth, responsável por escavar sozinho todas as valas e colocar os sacos de concreto.

Catedral de WinchesterCatedral de Winchester

Ele passou 6 horas por dia a metros de profundidade, cavando e movendo os sacos de concreto, completamente sozinho e no escuro, até terminar o serviço 6 anos (sim, anos!!!) depois. Tudo isso com aquelas roupas de mergulho pesadíssimas e um capacete feito de cobre – se isso não te faz merecedor de uma escultura na catedral eu não sei o que faria!

Quando William terminou os outros trabalhadores puderam finalmente usar uma bomba para tirar a água, finalizar as fundações e construir uma fileira de contrafortes para garantir a segurança da catedral. O rei Jorge V (que por coincidência teve aulas de mergulho com William quando estava no exército, olha que história louca!) e a rainha Mary foram à cidade para participar de uma cerimônia homenageando William, que depois ainda ganhou o título de membro da Real Ordem Vitoriana por sua dedicação.

Catedral de WinchesterCatedral de Winchester

Palco de séculos de história, guerras e conquistas, túmulo de personalidades ilustres, protetora de um manuscrito belíssimo do século XII e provavelmente a única catedral na história da humanidade cuja base foi feita por apenas um homem – a catedral de Winchester fechou nossa visita à cidade com chave de ouro, e recomendo que você separe algumas horas do seu dia em Winchester para também se surpreender lá dentro!

Obrigada ao Visit Winchester e Visit Hampshire pelo apoio nessa primeira etapa do projeto #OffTo. Clique para ver as fotos que postamos em tempo real na hashtag #OffToWinchester e os relatos das minhas companheiras de projeto HeloLiliana e Karine.

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Nós 4 e o piso original do século XIII!

E não poderia deixar de agradecer a você, que curtiu nossas fotos, comentou, mandou perguntas, assistiu aos lives no Facebook… Nós quatro ficamos super animadas com o retorno e já estamos planejando o próximo passeio – quem adivinha o destino?! :-)

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